sábado, 29 de maio de 2010

Blurred


Pela manhã, acordo e lavo tudo aquilo que a noite me deixou, o sono que a mesma me induziu, o sonho que na minha mente ainda vagueia, agora ele adormecido e no entanto, ainda não menos marcado no meu rosto engelhado, desfigurado. Olho-me ao espelho e, conhecendo-me como eu só, pego nas forças que tenho, agora renovadas, e submeto-me à rotina a que me obrigo, trocando rápidos olhares com a minha pessoa, a minha máscara, a outra, a mesma. Visto-me de vontades, procuro ordenar o espírito para o que o novo me promete. Promessas, essas, ainda guardadas no bolso à espera de serem mascadas no percurso habitual. Tenho pressa, o relógio tende a desafiar-me incessantemente e os ponteiros apressam-se ao meu ritmo, a vida não pára, nem poderia. Calço o meu propósito e antes de abrir a porta olho-me uma vez mais ao espelho, agora acompanhado com tudo o que preciso, de quem preciso e tudo o que nos caracteriza. O sol bate-me na cara, ainda novo e renascido como nós, a brisa pela manhã mostra-se sempre promissora, como um inspirar fundo de afirmação, suave, cheira quase sempre a sucesso. O dia é marcado por incansáveis interacções que nos dispõem a sucessivas revigorações, muitas e demasiadas vezes enfrenta-nos com forças alheias, ideias, críticas, opiniões e beliscões sociais, qualquer um deles indicativo de um contra-ataque, ainda que passivo, como uma comichão que precisa ser coçada, uma sede que se precisa matar, quase sempre inconscientemente.

No fim do dia, chego de novo ao meu espaço, minha casa, cheiro tudo o que o dia me deixou naquele lugar, como um reconhecimento necessário, despejo-me de todas as vontades e promessas não mascadas, não matadas, agora com umas tantas mais postas no bolso em picos momentâneos do dia. Descalço propósitos e todas as proposições e, agora a mim, calço o guardado, o eu, meu. Espremo tudo o que foi dado por terceiros, volto-me e lavo a essência, desprovido de alicerces, nú.

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