sábado, 12 de setembro de 2009

Théorie du voyage




Um dia, de mala às costas, partirei rumo à instabilidade física e psicológica, numa viagem facultada por todos os meios de transporte, com todos os estados físicos envolventes, numa jornada que permitirá o encontro da minha pessoa com outras formas de vida, e outras formas de morte. Não só isso, mas também o encontro da minha pessoa com ela mesma, num redescobrir constante, embora irregular. Nessa platónica viagem, adoptarei a posição de viajante, não de turista, pondo de parte quaisquer conhecimentos e/ou experiências culturais a posteriori e lançar-me à descoberta de novas realidades, novos mundos e novas gentes. Desde sempre que, na sociedade, os viajantes são alvos de preconceito por parte das massas turisticas, e da população em geral. Esse facto deve-se à desafixação associada à oposição dos estilos de vida de cada um, ao facto de, como viajantes, não serem de lado algum, escaparem à institualização imposta pela sociedade e não respeitarem quaisquer regras de ordenação mundial.


“'Enquanto nómada auto-suficiente, o viajante recusa o tempo social, colectivo e limitador, em proveito de um tempo singular construído a partir de durações subjectivas e de instantes festivos apetecidos e desejados. Associal, insociável, irrecuperável, o nómada ignora o relógio e guia-se pelo Sol e pelas estrelas, aprende com as constelações e com o movimento do astro no céu, não tem horários, mas possui um olho de animal acostumado a distinguir as alvoradas, as auroras, as trovoadas, as abertas, os crepúsculos, os eclipses, os cometas, as cintilações estelares, sabe ler as nuvens e decifrar as suas promessas, interpreta os ventos e conhece os seus hábitos.'”


Viajar pressupõe, portanto, recusar o horário laborioso da civilização em proveito do lazer inventivo e jovial. A arte da viagem exorta a uma ética lúdica, a uma declaração de guerra ao controlo e à cronometragem da existência. A cidade obriga ao sedentarismo legível graças a uma abcissa espacial e a um ordenamento temporal: estar num determinado lugar num preciso momento. Deste modo, o indivíduo é controlado e facilmente localizado por uma autoridade. O nómada, por seu lado, recusa esta lógica que permite transformar o tempo em dinheiro e a energia singular, o único bem do qual dispomos, em moedas sonantes e trôpegas.

Um dia, nesse dia, as posições actor/expectador não se irão pôr em causa, a estrada vai ser o palco, assim como as cadeias montanhosas, os campos infinitos e os incansáveis oceanos. O pensamento os bastidores, assim como as folhas de papel, o ecrã fotográfico, as mensagens enviadas e as lições recebidas. Nesse dia, vou vagamente recordar o tempo em que imaginava o futuro, agora, lá, presente, e não me vou dar conta de onde estou, quando estou, mas saberei que o estar está incutido, e não um triunfo platónico em que a probabilidade da viagem preciosamente sonhada se atenua com a redução do mundo às suas aparências. Um dia, experienciarei a partilha, a troca, o silêncio, o cansaço, o projecto, a realização, o riso, a tensão, o relaxamento, a emoção e a cumplicidade da forma mais primitiva e crua. Um dia, nesse dia.

Moby - Porcelain


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