segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010




(...) É uma daquelas noites em que procuramos não encontrar mais do que uma mão cheia de nada. Estou num bar, aqueles bares sacados dos filmes de hollywood, com aquela banda sonora em segundo plano que não podia encaixar melhor no sítio, na hora. As pessoas hoje não interessam, pelo menos por agora, pois o que quero é não querer nada, não ser pressionado socialmente pela libertação que o ambiente sugere, que o espírito pede. Mas como em todas as situações, sou confrontado com algo que não pedi. Talvez desta vez isso não seja uma má coisa. Talvez por querer não querer, fico mais susceptível ao que rodeia, sabendo inconscientemente que não serei correspondido, e que mais uma vez me terei de adaptar à situação. (Aguenta-te!). Não, mas desta vez talvez seja melhor ir com a maré, apanhar esta onda que cheira a desconhecido. Talvez desta vez não seja uma má coisa.

Fumo um cigarro. Espero pela bebida da noite, pelo menos a primeira. Reparei na tua entrada, há segundos atrás, e não fosse isto uma película de cinema, a música mudou. Mais que isso, acho que o meu habitual olhar incomodativo te despertou à atenção, olhaste-me de esguelha, como quem viu, não só olhou. (Será?). Segui-te com o olhar, observei o teu espaço. Bebo o primeiro gole da bebida que acaba de chegar, chegada no momento certo, com a concordância exacta com os teus movimentos e o ritmo da música. Dou para comigo não sozinho. Comigo. Vejo-te sem te ouvir, sem antes de conhecer. Depois de goles sôfregos na bebida gelada que de pouco me soube, ataco o teu espaço sem o estudar. A irreverência e singularidade daquele conjunto de elementos que estão na construção desta noite não me farão falhar, ou errar na primeira impressão com aquele corpo, aquela alma. Não sabia eu que a ‘primeira sensação’ estaria antecedente à “primeira impressão” que todos se esforçam por se suceder. O momento da minha aproximação a ti fez-se em câmara lenta, visto de fora, e estranhamente visto de dentro. A abordagem fez-se tão sofregamente quanto os goles dados na minha primeira bebida, mas em seco. Não importa, ser não é parecer, como estar não é ser. A sensação era mútua e múltipla, recíproca. A espontaneidade da abordagem, com um toque de imperfeição, praxe da veracidade do momento, fizeram a primeira bebida se multiplicar. Se triplicar. A ‘nossa’ primeira bebida possibilitou a primeira impressão, o primeiro contacto, o primeiro momento instrumental do filme, em que a magia cinematográfica e a essência musical se aliavam à tensão e profundidade do momento (real?). Viajámos milhas, países, continentes, mundos, e tudo com uma folha de papel, um lápis emprestado e a ponte que as nossas linhas sensoriais criaram. A excessividade de sentidos fazia de mim mais que um ser pensante, fazia de mim humano. (Mesmo o que estava a precisar.). Estupidamente esqueci-me que todos os filmes têm uma duração, na sua maioria curta. Mas assim como qualquer filme, a sua realização e produção são únicas no Universo, nos elementos espacio-temporais que criam a nossa mente, a nossa alma. A bebida teria, mais cedo ou mais tarde, de afectar o sistema fisiológico, não fossemos nós feitos de sistemas, sistematicamente. Fui à casa de banho, por breves instantes, prometi-lhe que não desaparecia e que pagaria a próxima rodada.

Voltei. A pressa de chegar quase me fez não conseguir voltar. Olho para junto dos nossos copos mas, onde estás tu? Sim, o sistema é idêntico, apesar da multiplicidade de corpos. Aproximo-me e quase como se soubesse, mesmo não acreditando, vejo uma nota debaixo de um copo idêntico aos tantos outros, cheio. Um. Nunca saberás o que a nota (realmente) dizia, a não ser que a tenhas escrito, só poderás percepcionar... (Poderás mesmo?). Fiquei comigo, um estranho novo eu, a beber a minha nova primeira bebida. Outra vez, pela primeira vez.

Agora imagina se não fosse isto uma película de cinema.


Phoenix - Love Like a Sunset

1 comentário:

  1. Gostei.Sempre gostei de historias... via-te bem escrever um "gonzo" (ver Hunter s. Thompson).
    Fico a espera de mais.

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