quarta-feira, 28 de abril de 2010

Ripping Sky


Numa corrida contra o tempo, o avião desloca-se milhas após milhas, contrariando a força do vento, o peso da carga humana e da sua bagagem. Rasga núvens com uma graciosidade mordaz, uma força silenciosa indecifrável aos olhos terrestres que nos sobrevoa as mentes, numa passagem repentina, efémera. Nesse avião reside a vontade de chegar, o desejo de partir, as cabines transbordam de objectivos e expectativas. A sua viagem é alcançada na procura de um novo destino, na chegada ao mesmo e é-nos prometida uma segurança espacial de circulação, é-nos dada essa mesma expectativa, numa outra linguagem, mesmo com semelhante dialecto. A turbulência surge para nos relembrar das limitações dessa segurança platónica, para nos agitar dos sonhos e lembrarmo-nos da mortalidade a que estamos destinados. No tempo de digressão, suporta o que é preciso para voar, mesmo com os pés assentes no seu habitáculo, somos invadidos por adernalina e deslumbramento, leveza física e mental, que nos faz descomprimir da gravidade a que fugimos. Lá em baixo, minusculas particulas caminham numa rota definida, vísivel das alturas, as suas ideias evaporam-se no ar, não as ouvimos, nem queremos.
A aterragem anuncia a chegada ao destino, ao peso e à ideia, e remete-nos sempre para um primário começo, num diferente cenário. Toda essa viagem é feita nos corredores da mente, com sensações físicas e visuais. Sentimo-nos a chegar e estranhamos a carga dos nossos ombros ao pisar o novo espaço, o mesmo peso a que fugimos e que descobrimos fazer parte de nós e dos nossos objectivos, não de onde vimos nem para onde vamos.
A viagem de descoberta consiste não em achar novas paisagens, mas ver com novos olhos. (Marcel Proust)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

New (Old) Ones

Chega um momento nas nossas vidas em que nos vimos obrigados a mudar de pessoa, de ideias, ambições, desejos e cenários para poder 'sobreviver', rodeados de interrogações, palavras exaltadas e reticentes, que nos questionam perante os nossos, perante nós, e nos fazem questionar crenças, razões, pessoas. Nesse momento perdemos raízes, é-nos desprendida a identidade, a entidade perante os outros, tornamo-nos por instantes (e sentimo-nos) seres inexistentes, perdidos, irrecuperáveis. Com o poder que nos foi dado de racionalizar apreensões exteriores, adaptamos o animal que então somos à sociedade que nos rodeia, às pessoas que se deparam perante nós, tentamos recuperar as pessoas perdidas junto de outras e, com o tempo, acabamos por nos perder a nós próprios e à pessoa que costumávamos ser, sem conseguirmos sequer dar conta. Essa adaptação ao novo núcleo renova as nossas ideias, os nossos ideais e as pessoas em quem precisamos confiar, que precisamos ter para nos sentirmos alguém. Essa renovação transforma mais que uma pessoa, transfigura histórias, momentos vividos, pessoas na vida de outras, importantes ou não. É como perder parte de outros, parte de nós, do que somos, do que éramos, tudo a vigor de uma sobrevivência social necessária, inquestionável.

Um dia, como tantos outros, algo nos faz relembrar esse passado, essa nossa anciã pessoa, e questionamos as mesmas razões que nos fizeram partir, perguntamo-nos onde fomos parar, porque lá estamos, como deixámos. Nesse dia há um confronto de novas e diferentes mentes, não há qualquer reconhecimento entre pessoas, entre ideias, depara-se o olhar de surpresa, de espanto, de nostalgia. Mais que isso, não nos vemos nessa pessoa, deixamos de nos reconhecer perante ela, embora por instantes haja um vislumbre animal que nos faz querer aproximar dessa mesma velha nova pessoa, ao contrário de continuar um inerte incomunicável. Nessa fracção de segundos, onde nos vemos no vazio que outrora costumávamos ocupar, reparamos que perdemos não só a pessoa que conheciamos e que agora deparamos, mas também fragmentos da nossa própria história e sentimo-nos estranhos, com flashes de uma outra vida, de uma outra rotina. Queremos voltar a conhecer, recuperar a pessoa na própria pessoa, fazer parte do novo que ocupa e partilhar quem somos agora. Darmo-nos para nos receber (de novo).


Amigos certos revelam-se em ocasiões incertas. E vice-versa.



quarta-feira, 7 de abril de 2010

(some)Thing else

Naquelas noites em que as ideias vagueiam pelos corredores da mente, chegam até a sair porta fora, disparados, sedentos de ar, respiração, não da própria, os desejos acordam, as retóricas tocam-nos e aos outros, assim como o som, quer da nossa voz como da música que passa, ambiente. Nessas noites não somos só livres, somos algo mais, mais que nós próprios, somos também as nossas ideias, somos a sede dessa mesma respiração. A magia da noite já desperta vontades amarradas, (mas nessas?) somos nós as vontades, somos a batida do som que envolve o espaço, somos o passo de dança (mesmo quando só sente o pé, num ritmo acelerado), o nosso olhar, e o dos outros, os risos, a tensão que a respiração expele, assim como os nossos movimentos, os nossos passos, apressados ou não. Apetece-nos dizer, demonstrar tudo aquilo que estamos a sentir, sem pressões, sem vergonhas, sem preconceitos. Nessas noites não nos desculpamos pela bebida que tomámos, pelo que fumámos, isto porque estamos mais nós, sem vontades camufladas em acções indesejadas, estamos ali, ou noutro sítio, a sentir tudo o que nos rodeia, todos. Os nossos. Ou não. Sem essas noites e essa liberdade de expressão a que nos proporcionamos explodiríamos de insatisfação, falta de tesão por dar ao mundo e aos outros aquilo que pensamos, fazemos, somos. Graças à nossa mesma insatisfação pela vida, por tudo o que temos e pelo que não temos é que nos fazemos isso, pelo menos uma vez, para libertamo-nos de nós próprios, para que o que é nosso seja vosso, por uma noite, nem que por momentos.



“'Uma 'coisa' não é só aquilo que se observa, é também o que significa'”

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Mask(ed)

Vemo-nos, muitas vezes, e sem perceber, postos numa encruzilhada não de identidade, mas de entidade social e pessoal a que nós proprios nos sujeitamos e que nos faz questionar-nos e àqueles que nos rodeiam. É de comum senso que a todas as pessoas são colocados, pelos mesmos ou não, excertos de mentira e de não verdades, muitas vezes mízeras, mas que se acumulam na nossa face e criam uma máscara, desejada ou não, e que irremediavelmente nos escondem daqueles que nos vêem, daquilo que nós vemos. Expressões são camufladas em outras não desejadas e acabam transformando a nossa pessoa perante outros. A importância desses outros vem da sua, nossa esperada, empatia social, pessoal, humana, pois vivemos uns com os outros, sozinhos. A máscara certamente dará a quem a tem uma segurança, privacidade e uma exposição ocular mais clara e silenciosa, mas de fantasias já a mente está repleta. A máscara tenderá a pesar, descaír, partir, e a pessoa que se (re)descobre começa uma estranha perante si mesma, perante outros.

O importante é criar um equilibrio entre a fantasia e a realidade, entre o ser e o estar, pois sem um recanto fantasiástico a realidade torna-se demasiado crua, impossibilitando as pessoas de escaparem para o que é seu, por instantes, para conseguir ter o poder de criar a realidade pelos seus olhos, com os nossos e para os nossos, como para nós.

Ver-se.

sábado, 3 de abril de 2010

Sounds Me

Musica.
A musa de todo o nosso ser, das nossas criações, evoluções. Muitas vezes responsável por escolhas, decisões, experiências. O som expõe pessoas, transfigura emoções, sentimentos, umas vezes liberta-as, e a nós, outras vezes ofusca-nos e abafa as nossas ideias, ao invés de as clarificar. Existe uma dualidade entre a criação e a contemplação da música, a primeira liberta-nos, a segunda serve de catalizador para a nossa mente, os nosso conhecimentos, transforma-se numa liberdade passiva, de transcendência, de pura apreensão. Hoje é dia de criação, de contemplação, de apreensão, sensação, descarga e partilha.
Amanhã a musica é outra, vamos deixar tocar até ao fim.

Obrigado.